Governo da Holanda Demite-se em Bloco
Famílias separas e em falência. Famílias que perderam tudo e ficaram na bancarrota. Os seus nomes na lama e condenados por fraude. O Estado procurava famílias que abusavam do sistema de subsídios a menores e acabou por encontrar um dos maiores erros da máquina fiscal do Estado. Afinal estas famílias não fizeram nada de errado, mas o mal já estava feito. As consequências políticas levam hoje à demissão em bloco da coligação de governo de Mark Rutte.
As famílias sofreram um "mal sem paralelo", com o mau trabalho de funcionários fiscais, políticos, juízes e funcionários públicos deixando-as impotentes, afirmaram hoje os políticos holandeses. Muitos dos afectados eram de origem estrangeira e centenas estavam em dificuldades financeiras.
"Pessoas inocentes foram criminalizadas e suas vidas arruinadas", disse Rutte durante a conferência de imprensa, acrescentando que a responsabilidade pelo que deu errado é do governo. A decisão unânime, tomada durante a reunião de governo em Den Haag, ocorre no momento-chave da pandemia de Covid-19, com a Holanda em confinamento e os ministros a considerar medidas mais rígidas para conter a propagação da infecção.
O governo permanecerá no papel de interino para enfrentar a pandemia até as eleições parlamentares de Março, mas o ministro da Economia, Eric Wiebes, renunciou com efeitos imediatos por seu papel no escândalo. Questionado sobre se a demissão em bloco foi meramente simbólica, Rutte afirmou que não.
Você é uma mãe solteira com três filhos dos oito aos 11 anos. Você atingiu o fundo do poço financeiramente e que acha que pode fazer agora? Meus filhos e eu às vezes tínhamos que ir à noite para a cama sem comer
Dulce Gonçalves Tavares que em 2013 teve de devolver € 125.000
Esta não é a primeira vez que um governo holandês se demite em bloco por responsabilidade colectiva. Em 2002, o governo renunciou após um relatório criticar ministros e militares por não terem evitado o massacre de muçulmanos em Srebrenica durante a guerra da Bósnia, sete anos antes.
O Que Correu Mal
Com os pais rotulados de defraudadores por erros menores, como a falta de uma assinatura, foram forçados erradamente a devolver dezenas de milhares de euros pagos pelo governo para compensar o custo dos cuidados infantis. Eles foram, como disse um ministro demissionário, "esmagados pelo sistema." Famílias foram deixadas em estado de ruína, por uma máquina de estado que se tornou “inimiga do povo”.
Relacionamentos se desintegraram sob a pressão, casas foram perdidas, mães falaram com lágrimas sobre a angústia financeira e psicológica que sofreram depois de serem alvos da implacável máquina fiscal.
Ainda no ano de 2020, a administração fiscal admitiu que 11.000 pessoas foram submetidas a escrutínio extra simplesmente porque tinham dupla nacionalidade. Essa confissão reforçou a crença amplamente difundida entre muitas minorias étnicas na Holanda de que a discriminação contra elas é institucionalizada e perpetuada por aqueles que estão no poder.
Trata-se de dezenas de milhares de pais que foram esmagados pelas rodas do estado. Não pode haver dúvida, esta é uma mancha colossal
Mark Rutte, primeiro ministro demissionário da Holanda
Mas, embora seja vista como a resposta responsável e honrada - sacrificar o poder ao admitir o fracasso do governo - a demissão em bloco pode ser interpretada como um acto político de autopreservação do governo de Rutte, evitando a perspectiva de perder o voto de confiança dos deputados na semana que vem, onde se espera a aprovação de medidas ainda mais duras de combate à pandemia.
Os Acusados de Fraude
O escândalo começou em 2012 e o número de pais envolvidos pode chegar a 26.000. Alguns pediram abertamente a demissão do governo, dizendo que perderam a fé na capacidade governamental de limpar o sistema.
Uma mãe enfrentou devoluções para pagar às autoridades fiscais de cerca de € 48.000. Ela ainda tentou explicar às autoridades que foram cometidos erros, mas as autoridades iniciaram logo o processo de retenção não apenas do subsidio de ajuda para o pagamento da creche, mas também outros benefícios.
Sua renda ficou atrasada e as empresas de energia cortaram o abastecimento regular. Eventualmente, acabou por perder o emprego e não conseguiu encontrar outro, pois tinha sido condenada por fraude. A pressão acabou por cobrar o seu maior preço, ao desfazer o relacionamento mãe e filho.
"Rutte diz que acha isso terrível, mas não foi ele quem teve que pagar ... Isso não deveria acontecer na Holanda - fui rotulada de defraudadora", disse outra mãe, Nazan Aydin, à NOS.
E Agora?
O partido liberal de Mark Rutte, o VVD, está a ter um bom desempenho nas pesquisas de opinião, de modo que as eleições a 17 de março pode levar Rutte a formar novo governo. O quarto desde 2010.
Embora ele inicialmente se opusesse à demissão do governo, foi vista como inevitável uma vez que o líder trabalhista da oposição PvdA Lodewijk Asscher renunciou na quinta-feira em resposta ao escândalo. Asscher foi ministro dos Assuntos Sociais durante o governo de coligação anterior.
Rutte lidera uma coligação de quatro partidos de centro-direita-liberal e o seu partido lidera as últimas sondagens, à frente do líder de extrema direita Geert Wilders do PVV.
No entanto, as vítimas do escândalo do subsidio, que tiveram que devolver grandes quantias, entraram esta semana com uma queixa formal contra vários ministros, actuais e antigos. Uma compensação de pelo menos € 30.000 deve ser paga aos pais que foram injustamente acusados, mas muitos argumentaram que não é suficiente.
Antes da decisão de demissão do governo, Sigrid Kaag, a líder do partido liberal D66, disse que era "importante ser politicamente responsável e assumir a responsabilidade pelo conteúdo do relatório e pela injustiça feita aos pais". A secretária de Estado das Finanças, Alexandra van Huffelen, disse que as crianças apanhadas no escândalo de fraude também devem ser cuidadas para que possam "seguir em frente".